quarta-feira, 1 de maio de 2013

ANÁLISE - A CASA


A Casa é a salvação do terror?

A Casa, ou no original La Casa Muda – 2010 é um filme de terror uruguaio. É forte e coeso o suficiente para ser comparado aos clássicos do terror. Peculiar por vários motivos, o importante é que é um filme que lhe prende a atenção do começo ao fim, proporcionando sustos na medida certa. Não são “sustinhos”, mas cenas que podem literalmente te dar soluço. Apesar de assustar, não conta apenas com este instrumento para produzir medo. Além de sustos o filme te apavora, já que é muito escuro e muito difícil de entender o que está acontecendo.

 


A trama inicia quando Pai e Filha vão a uma casa de campo abandonada passar a noite, pois no dia seguinte irão efetuar uma reforma na casa para que o proprietário possa vende-la. Tudo muito mal explicado e confuso – intencionalmente, claro. Durante a noite, Laura começa a ouvir sons estranhos no andar superior da casa e ao investiga-los descobre que há “algo” na casa capaz de fazer muito mal a ela e a seu pai, a ponto de não conseguirem sobreviver à noite. O filme diz ser baseado em fatos reais. Conta-se que ocorreu no Uruguai em 1940.

O genial deste filme é que o filme todo foi gravado em um “take” só, ou seja, quando a câmera começa a gravar, não para. A primeira cena é a mesa que a última, e isso ficou fascinante. Este filme utiliza-se da mesma premissa técnica de A Bruxa de Blair, Rec, Zombie Diaries e Cloverfield: filmagem em primeira pessoa. La Casa Muda difere-se neste sentido, pois apesar de utilizar a filmagem em primeira pessoa como recurso técnico para provocar inconsistência visual, desgaste do espectador e certo aspecto “cru” de filmagem, não cai no clichê de fazer deste filme “mais-um-daqueles-filmados-em-primeira-pessoa-por-que-com-o-advento-tecnológico-as-pessoas-filmam-tudo-e-não-desligam-a-camêra-nem-para-morer”, ou seja, o que quero dizer é que o câmera-men não faz parte do elenco. A filmagem em primeira pessoa é utilizada apenas para dar uma maior proximidade do espectador com a cena do filme – singular, pois se trata de apenas um take. Aproximação essa obtida com sucesso em A Bruxa de Blair e dificilmente obtida de novo – principalmente na franquia Atividade Paranormal, onde o espectador e “jogado para fora” do filme, sendo reconhecido apenas como o que realmente é: um espectador.
 

La Casa Muda é um buraco negro de suspense que atrai o espectador para a cena. O ponto de vista “cru” oferecido desfaz o espectador em um mero observador limitado a assistir a cena. Não há muito que se sabe sobre o que acontece no enredo, diferente do arrebatador de bilheterias Atividade Paranormal. A diferença é que no Atividade o espectador vê mais e sabe mais que os personagens – no mínimo sabemos antes, pois a imagens que vemos os personagens veem depois “cronologicamente”. Em La Casa, o espectador só tem acesso ao que a personagem Laura vê. A câmera a persegue do início ao fim do filme, focando-se apenas onde Laura põe os olhos. Estes dois estilos de filmagem colocam o espectador muitos mais em contato com a o lado voyerista do cinema. A diferença é que se um nos coloca como espectadores externos aos eventos – como um reality show – o outro lhe coloca como cumplice do ato, ou seja, a vivência do espectador neste caso é real – apesar de ilusória. Em La Casa Muda, as coisas complicam, quando descobrimos que o que estamos assistindo se trata de uma manipulação da verdade feita pela personagem Laura. Em resumo o filme impõe ao espectador uma “participação” que ao fim é revelada como manipulação. Esta “enganação” surte um efeito diferente e inovador para um espectador atento.

O detalhe – que não é tão pequeno assim – de o filme ser feito em apenas um “take” torna a coisa mais interessante. Não sabemos se a produção e os atores estavam muito bem ensaiados e ou realizaram tudo por improviso. Isto faz com que a naturalidade dos eventos ocorridos no filme flua, de maneira que não duvidamos da veracidade do que nos é apresentado. A atriz que interpreta Laura nos convence o filme inteiro. Há um jogo perverso entre a personagem e o espectador. Laura flerta com quem a observa, principalmente se este for alguém já inserido no gênero terror. A personagem faz ao longo de todo o filme insinuações de atitudes clichês dos filmes de terror, porém sempre age de forma inteligente, o que faz com que aqueles que sempre dizem em filmes de terror: “estes mocinhos e mocinhas e filme de terror são umas antas, se fosse eu faria assim e assado.”, ou seja, a personagem parece sempre tomar as decisões mais seguras, optando pelas arriscadas quando não há alternativa. Essa atitude oferece certa credibilidade para personagem, na medida certa para surpreender o espectador e deixá-lo sem chão com as revelações do filme.

A partir deste trecho não me preocuparei mais com spoilers, sendo assim, caso você queira assistir ao filme e não saber o final pare por aqui. Porém, volte e leia a continuação do texto depois.

Toda essa construção funciona perfeitamente para criar o clímax do filme: quando Laura revela-se a própria assassina. E tem mais, não só Laura é a assassina, como também não é filha de Wilson – o pai dela no inicio do filme. O filme fica muito confuso e o que se pode compreender desta confusão é que. Laura, Wilson e proprietário da casa mantinham relações amorosas nesta casa. Além dela outras mulheres também eram levadas para esta casa. Sabemos destes fatos devido às fotos encontradas por Laura. Assim sendo, entendemos que Laura esteve grávida e por algum motivo – talvez pressão dos amantes – não deu a luz ao bebê. A personagem assim apresenta-se como uma pessoa muito perturbada e confusa, capaz de produzir devaneios descolados da realidade.

Temos então que não só toda a história do filme é uma invenção de Laura para escamotear o assassinato de seus amantes, como também que o filme não foi contado em ordem cronológica – ai está o teor genial deste filme. Não bastava para o diretor Gustavo Hernández simplesmente utilizar do terror de primeira pessoa, da premissa de baseado em fatos reais, boas atuações e enredo brutal. Este diretor queria mais e foi além do que se vê por aí no gênero de terror no mundo. O diretor arrasta o espectador para viver um dia na vida de alguém psicologicamente perturbado. Perde-se a noção de realidade e cronologia. Acreditamos que o que estamos assistindo é a realidade daquela personagem, mas na verdade estamos pactuados com o desejo dela de mostrar-se como vítima e justificar o assassinato de duas pessoas – somos cúmplices então, e mais “se acontecesse comigo faria igual”.
 

É um filme inteligente, assustador e provocativo, se estende para além dos créditos – metaforicamente e literalmente, pois há cenas importantes do enredo que acontecem depois dos créditos. Este filme não oferece ao espectador as informações de maneira óbvia, assim demanda do espectador muito interesse pela história, e cumpre seu objetivo quando recompensa a devida atenção. Segue o estilo de justificativa do Anticristo de Lars Von Trier, mas na minha perspectiva o Uruguaio é mais sincero e menos esteticamente belo. Um remake americano já foi realizado: A Casa Silenciosa – 2011, mas não obteve a mesma repercussão mundial do original que foi reverenciado em Cannes.

 

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